O painel “O estado atual das taxas de rede no Brasil: perspectivas para 2025” apresentou de forma didática e com fortes opiniões a questão da implementação de uma taxa de uso de rede — também conhecida como “fair share”. O encontro, mediado por Paloma Rocillo, Diretora do do coletivo IRIS (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), contou com a participação de representantes de diversas entidades e do deputado David Soares.
O parlamentar criou um Projeto de Lei que proíbe a prática do fair share, que na prática envolve o pagamento de valores pelos grandes geradores de tráfego na internet, como plataformas de streaming e redes sociais, para as operadoras de telecomunicações. Algo que pode afetar inclusive os PPPs com a possibilidade de aumento em seus custos agregados.
“A Coréia do Sul adotou o fair share e com a restrição ao trabalho das empresas, ocorreu uma fuga dos produtores de conteúdo. Não podemos, como eles, partir de uma decisão política errada”, argumentou o deputado Davi.
Em seu depoimento, Gustavo Borges, Superintendente Executivo da ANATEL, informou o retrato do momento da discussão na entidade. “Instauramos um procedimento para a discussão do tema e sabemos que os grandes usuários consomem muito, e se existe um problema real entre eles e as operadoras. Fizemos uma carta aberta aos interessados e fomos alimentados de informações, posteriormente fizemos um benchmark internacional e estamos agora analisando os problemas e as possíveis soluções”, explicou.
Em seguida, ele falou do que foi descoberto até o momento. “Entendemos a complexidade da conversa entre os 20 mil provedores de Internet (dos grandes até os pequenos), os provedores de conteúdo e as operadoras. A barganha entre os mercados é complexa. Queremos instaurar um Grupo gerido pela ANATEL com todos os entes trocando experiências e informações para buscarmos um consenso”, apontou.
Para o representante da ANATEL, “na proposta técnica não vimos a necessidade de taxação, mas é um processo normativo em curso. Formularemos uma proposta para o Conselho Diretor e a partir disso abriremos a consulta pública”.
Na sequência, Alessandro Molon, ex-deputado federal e relator do Marco Civil da Internet, e que atua na Aliança pela Internet Aberta, ressaltou o protagonismo das PPPs antes de emitir sua opinião. “Hoje, 93% da conexão banda larga fixa nas pequenas cidades é feita pelos PPPs. Sobre o fair share, devemos copiar boas ideias e refutar aquilo que não é interessante como essa proposição, precisamos de uma rede livre e neutra e vimos que a lei na Coréia causou problemas para muitas empresas que optaram por sair daquele país”, relatou.
Sua associação, aliás, divulgou cinco estudos sobre o tráfego na Internet e com eles, Molon repele o que é dito pelas grandes operadoras. “Não existe a perspectiva de explosão do tráfego de dados que eles dizem, e como comprovamos. As grandes operadoras são as únicas que querem essa taxa, elas continuam ganhando muito dinheiro, especialmente com a Internet fixa e Internet móvel e não terão prejuízo. Nosso quarto estudo, por exemplo, falou da possibilidade de inibir o uso da web com um custo maior caso a taxação do fair share prospere. As grandes operadoras querem matar a concorrência, e o brasileiro precisa ter liberdade de escolha”, explicou.
No mesmo sentido, Sergio Garcia Alves, representante da ALAI, reforça a importância de garantir uma Internet livre no Brasil. “Não temos uma perspectiva de algo assim na Argentina, e o Peru colocou em discussão algo semelhante, porém não vejo como isso pode prosperar por lá. A ABRINT é uma grande manifestação de concorrência e não de transferências de valores de grandes empresas para outras grandes empresas, por exemplo”, comparou.
Marcelo Bechara, Conselheiro da ABERT, falou da perspectiva das emissoras de tevê e de produtores de audiovisual que compõem a entidade, “produzimos conteúdo e toda a radiodifusão está na web, colocando seus conteúdos por meio do streaming, e faz sentido que o conteúdo seja visto em todas as janelas. A transferência de recursos não é fair (justa) em nada, eles não estão proibidos de desenvolver conteúdo e elas podiam ter investido antes e não o fizeram. Precisamos ser aliados das operadoras, como na questão dos impostos, mas a tarifa do fair share é injusta”, admitiu.
Por fim, Basílio Perez, conselheiro da ABRINT, que relembrou o início da ideia do fair share ainda em 2012, lembrou que a proposta é anacrônica. “Hoje, tecnicamente falando, a Internet não é mais centralizada, o conteúdo está em todos os lugares e muito perto do usuário e no Brasil quais tudo está em fibra ótica, e passar velocidades X ou Y dá no mesmo. As operadoras buscam solução para um problema inexistente. Apenas três companhias em 20 mil querem essa taxa (as operadoras). Eles compararam os ganhos deles com quem produz conteúdo, e isso é totalmente errôneo”, questionou.
Ao finalizar sua fala, Perez reafirmou a ideia que quebrar a neutralidade da rede é inibir a inovação. “Quem será o “grande campeão” de conteúdo em 10 anos? Não sei. Como a rede é livre e neutra, temos infinitas possibilidades!”